Budapeste – refugiados da Síria, a história que eu presenciei
O CONTEXTO
Em agosto de 2015 fiz uma maravilhosa viagem para os países da Croácia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, chegando e saindo por Budapeste, na Hungria.
Fui a Budapeste para dois dia e meio, a fim de finalizar a viagem.
Se é que posso dizer, coincidentemente, cheguei no dia dois de setembro, logo após um grupo, de pelo menos três mil refugiados sírios, alcançar a principal estação de trem, da cidade, a Keleti.
Já ouvia, há tempos, no noticiário brasileiro informações sobre o que estava acontecendo com o povo sírio. Pelo menos semanalmente botes de borracha chegavam à Grécia e a outros países ao redor, com um número de pessoas muito além da capacidade permitida para a embarcação, famílias inteiras, adultos, jovens, crianças e idosos, na tentativa de fugir da morte em seu país, decorrente da guerra civil que lá reina desde 2011.
Muitos desses botes e barcos, inadequados para navegar em alto mar, afundaram e o sonho foi encerrado bem antes da chegada em terra firme.
Pior tem sido saber que muitos viram seus entes queridos morrerem, sem nada conseguirem fazer para salvá-los, como, recentemente, o pai do menino que foi manchete mundial, mostrando seu corpo inerte, na beira da praia.
A SEMELHANÇA SERÁ MERA COINCIDÊNCIA?
Eu acabava de vir da Bósnia e Herzegovina, da cidade de Saraievo, que antes de conhecê-la somente lembrava, também do noticiário, que por um grande período, quase diariamente, mostrava cenas horríveis de bombardeio à cidade, de crianças correndo pelas ruas sem seus pais, famintas e sedentas, com roupas esfarrapadas e muitas mortes.
Uma guerra que durou quase 4 anos e ceifou 11 mil vidas somente em Saraievo e mais de 200 mil vidas em toda a Bósnia, 30% de mulheres e crianças! Guerra essa, por motivos políticos e religiosos, sobretudo porque a Sérvia, único país que restou da antiga República Federal da Iugoslávia, muito mais armada, pois herdou a estrutura bélica do antigo poderio, não aceitava a independência da Bósnia.
Ouvi, contado por pessoas que vivenciaram a guerra, os horrores que passaram, pessoas como você e eu, que não tinham nada a ver com o conflito, precisavam se esconder para não serem atingidas pelas balas, pelas bombas de fragmentação construídas com urânio empobrecido que lançava estilhaços para todo o lado (veja sobre as Rosas de Saraievo, no post sobre essa cidade, que logo publicarei).
Eram muitos ataques diários, não havia luz, aquecimento, água, comida, nada. Os adultos eram obrigados a sair às ruas para tentar conseguir um bocado de pão, vendido por preços de ouro e muitas vezes não regressavam, eram vítimas do bombardeio.
Visitei também o Túnel da Esperança, construído pelo próprio povo para alcançar, em segurança, as montanhas e sair para cidades e países próximos, em busca do direito à vida!!!!
Assim, muitos bosníacos tiveram que deixar seu país, como hoje fazem os sírios, abandonando suas casas, suas posses, sua historia para trás, levando consigo uma sacolinha plástica e no coração a esperança de chegar vivo.
Também ouvi a queixa de que os países desenvolvidos, os grandes poderes, como EUA, Alemanha, Inglaterra, não ajudaram a por fim na guerra.
Pude então, com base no que ouvi em Saraievo, entender melhor, o porquê dos sírios, hoje, fugirem de seu país, em condições tão precárias, quase inacreditável que alguém possa se submeter a tal condição e o porquê que estão perambulando de cidade em cidade, para chegar à uma “terra prometida”.
O CENÁRIO ATUAL
Decidi que iria ao local onde os refugiados estavam. Compramos alguns gêneros alimentícios e água, tão pouco perante aquele mar de gente, que fiquei até constrangida.
Chegando lá, meus olhos não podiam crer no que viam. Não tinha ideia da quantidade de pessoas em busca de um “lugar ao sol”, crianças, mulheres, até mesmo grávidas e bebês.
Comecei, naquele momento, a perceber a semelhança com o que havia ouvido em Saraievo.
Não vi uma mala, somente sacolas plásticas, tipo de supermercado, pequenas mochilas, as pessoas carregavam um mínimo de coisas, pode imaginar o que é deixar para trás todos os seus pertences, aquilo que representam sua vida, o que lhe dá o senso de pertencimento? Fotografias, cartas, diplomas…
Não me pareceu tratar de aproveitadores, de vândalos ou que, originalmente em seu país, viviam em extrema pobreza. As pessoas pareciam ser de classe média alta, faces bonitas, percebia-se serem pessoas bem cuidadas e com bons hábitos de vida, esbeltos, dentes em boas condições (Observação típica de dentista, kkk) cabelo saudável, não eram pessoas carentes que deixaram o país em busca de melhores condições, eram pessoas de bom nível de vida, que abandonaram seu país, para sobreviver à guerra. Mais tarde fui saber que ali estavam médicos, engenheiros, proprietários de lojas, professores universitários…
Observando, percebia-se um olhar triste e distante de alguns, que tocava no mais profundo da alma. O que será que passa na cabeça de uma pessoa nessa condição? Medo, insegurança, saudade, duvida, sonhos…
O cansaço era evidente, muitos vieram andando, com seus filhos no colo, uma médica voluntária contou que alguns chegaram sem a sola do pé.
Ao mesmo tempo, observei uma enorme gratidão por tão pouca coisa.
A cada garrafa de água entregue ou comida, as faces das mães se resplandeciam. Como tão pouco pode acariciar a alma e o quanto cada um de nós pode fazer e não faz.
Fiquei espantada como estavam controlados, mesmo os homens, não se via tumulto, brigas, conviviam bem entre eles e até mesmo com os policiais. Cheguei a comentar que qualquer pessoa tem um limite, se não fosse dada uma solução ao que queriam, que era, permissão para seguirem em direção à Alemanha (eles não queriam ficar na Hungria e muito menos em Budapeste), os ânimos poderiam esquentar e como controlar essa multidão? Seria o caos!!! Agora, passado quase um mês, vemos que a violência já se instalou.
Pensei como seria passar a noite naquele lugar, a maioria, ao relento, pois eram pouquíssimas as barracas de acampamento. Estavam espalhados pelo chão duro, os que conseguiam dormir, era esticado sobre o cimento das calçadas. Privacidade – não existia, banho, mesmo naqueles dias super quentes e depois de andar tanto – não havia, só vi um meia dúzia de banheiros químicos e me chamou a atenção, que mesmo nestas condições precaríssimas, as pessoas não estavam mau cheirosas.
No entanto, percebia-se que o lixo, cascas de alimentos, garrafas e sacolas plásticas, sandálias estragadas, iam se acumulando ao redor, sem estrutura suficiente para coleta.
Um dia depois de minha visita à estação Keleti, me deparei com a mesma multidão de refugiados, caminhando pelas ruas de Budapeste, decididos a alcançar a autoestrada e ir a pé até a Alemanha.
Cena de filme de ficção!!! Inacreditável que não conseguiram pegar os trens, ônibus e que continuariam a jornada a pé.
Morados de Budapeste, revoltados, contaram que a Hungria estava começando a construir uma cerca de arame farpado nas fronteiras, para impedir a entrada dos imigrantes.
Que nível de degradação pode sentir uma pessoa que paga a mercenários uma fortuna para fugir de seu país em guerra, enfrenta o mar num bote de borracha, sol, chuva, falta de comida, às vezes presencia a morte de parentes e amigos, anda quilômetros a pé e quando chega à fronteira encontra uma cerca de arame farpado e a polícia armada, pois é o que ainda hoje, fim de setembro, está acontecendo.
Pior, agora novas cercas estão sendo construídas na fronteira da Hungria com a Sérvia e a Croácia, país que já passou pelo mesmo tipo de guerra, segue o exemplo da sua vizinha e inicia o cercamento de suas fronteiras. Será que esta é a melhor solução?
Por outro lado, o que realmente está sendo feito, no nível internacional, para que essa guerra se encerre? A Rússia, continua sustentando a Síria com armas “para que enfrente o grupo bárbaro estado islâmico”, incentivando a continuidade do conflito, e o que as demais potências fazem?
Agora, sob a visão dos jornalistas do mundo todo, de novo pelos noticiários, vemos que a União Europeia não consegue organizar-se para receber os refugiados e, país a país, vão fechando suas portas.
Imagens de ataques mútuos já são assistidos pela televisão, os ânimos vão se exaltando a cada dia, refugiados jogando alimentos, garrafa de água, pedra e os policiais, gás lacrimogêneo e jatos d’água. Os refugiados passam a ser criminosos, presos e condenados por imigração ilegal – instalou-se o caos!
E nós, assistindo, em pleno século XXI, a história se repetir sem que nenhum aprendizado de logística, política, humanidade, se manifeste. Triste verdade!!!!
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Emoção…
Verdade Rebeca, emoção é a palavra certa, é o que senti: tristeza, revolta, incapacidade, descrença nos governos….
Regina,leio TODOS os seus post. Tentando viajar com você por todos os lugares lindos que vc passa.
Aprendo sempre.
Mas este, de longe foi o Post mais emocionante que vc escreveu.
Vivenciei, sofri e chorei com vc.
Bj
Mara Ligia, que honra ter a sua fidelidade na leitura dos posts. Essa é a grande recompensa!!!!
É verdade, foi um oportunidade importante na minha vida, poder ver de perto um acontecimento histórico e constatar o quanto a humanidade precisa evoluir, nos valores, no verdadeiro amor ágape, vindo de Deus, e na solidariedade.
Grande abraço