Conheça a história da brasileira Keila no combate ao COVID-19, uma profissional da saúde, atuando nos EUA.
Ela saiu do hospital na sexta-feira, depois de um longo dia de trabalho, como fazia todos os dias! Retornou segunda-feira e tudo estava diferente. O clima era de guerra!
Leia também: 13 brasileiros no exterior enfrentam Coronavírus, relatos de como brasileiros que moram fora do Brasil estão vivendo a pandemia do Covid-19 e como cada um dos países, onde eles moram, agiu perante o Coronavírus.
Quem é Keila
Meu nome é Keila Silva, moro nos Estados Unidos há 16 anos. Atualmente resido na cidade de Worcester – MA, Sou mãe de duas mocinhas lindas, esposa, estudante e enfermeira, há 6 anos.
Como é estar na frente do combate ao COVID-19
Por trabalhar na área de saúde estava acompanhando de perto, o que estava acontecendo na China e na Itália. Mas devo confessar que logo no início, em nenhum momento passou por minha cabeça o que eu viveria nos próximos dias.
Achei que seria como a gripe H1N1. Cheguei a comentar com alguns amigos que provavelmente não chegaria até Massachusetts, estado aonde moro. Mas tudo aconteceu muito rápido e sem aviso prévio.
Trabalho em unidade pós-cirúrgica de neurologia e ortopedia. Lembro de ir embora em uma sexta à noite, pensando que voltaria para o meu trabalho normal, na segunda, após meu final de semana de folga, para recomeçar a vida normal…
Como tudo começou, no hospital onde trabalho
No sábado, 14 de março, ao checar a página privada da Associação das Enfermeiros no Facebook, vi uma conversa que me chamou atenção. Alguém falava… “então é verdade, a unidade de ortopedia e neurologia vai ser a primeira unidade dedicada ao COVID-19”.
Algumas pessoas deixavam orações nos comentários do pôster, outros desejavam boa sorte. Confesso que tremi da cabeça aos pés, acho que até mudei de cor porque meu marido olhou pra mim e perguntou, “O que foi amor?”.
Respondi, “nada.” Mas minha cabeça estava girando, a mil por hora. Temi por minha família, por mim, por minhas colegas de trabalho e por todos que conheço.
Os noticiários, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) possuíam dados arrasadores sobre o Covid 19. Entrei rapidamente em contato com minhas colegas de trabalho para confirmar o que tinha lido. Elas confirmaram, todas estavam preocupadas e tensas.
A nossa unidade inteira foi transformada na primeira unidade de COVID-19, de todo o Hospital, da noite para dia. Unidades inteiras foram colocadas em “negative room pressure” (isolamento) para evitar a contaminação a partir de partículas aéreas geradas durante tratamentos de nebulização dos pacientes.
Logo em seguida recebi um telefonema da minha unidade, informando que eu deveria chegar mais cedo na segunda-feira para retestar as máscaras N95.
O conflito: família e responsabilidade profissional
Caminhei um pouco pela casa, olhei para minhas filhas e decidi falar para meu marido o que estava acontecendo. Ele me pediu para que não fosse trabalhar para que ficasse em casa com eles. Ele queria me proteger.
Mas, naquele momento foi como se um leão rugisse dentro de mim. Eu chorei, mas disse a ele que sentia muito por tudo que estava acontecendo, que os amava e que, do fundo da alma, não queria que nada de ruim acontecesse com nenhum deles.
Mas, eu não podia deixar minha profissão, nasci para cuidar de pessoas. Se eu largasse tudo iria me sentir uma espécie de traidora da minha missão como pessoa e profissional. Ele disse “Eu entendo, mas não quero te perder”.
Caminhei, mas um pouco pela casa… Por fim, comuniquei à minha família que, na segunda de manhã, iria para um hotel, até entender exatamente como estava a situação. Talvez fosse por só uma semana ou um mês… Depois voltaríamos a estarmos juntos, tudo daria certo.
Meu coração e minha mente estavam a mil por hora. Se de um lado eu não queria perder a profissão pela qual me dediquei anos a fio, muito menos virar as costas às pessoas que precisariam de mim como profissional, por outro, eu não queria perder minha família.
Era e ainda é, como estar entre a cruz e a espada, com flechas no meio.
Do primeiro dia à terceira semana
A tensão era clara no rosto de todos, do auxiliar de limpeza à equipe médica. No fundo, nenhum de nós gostaria de estar ali, mas mesmo com receios estávamos nos apresentando para trabalhar.
Estamos acostumados a cuidar de pacientes com bactérias resistentes, suspeita de tuberculose e tantas outras doenças e infecções. Mas, o Covid-19 era algo totalmente novo, não sabíamos ao certo os sintomas que os pacientes apresentariam, os procedimentos e tratamentos que deveriam ser providos para eles.
Não existia nada nos nossos manuais de faculdade falando a respeito do COVID-19, somente sabíamos que era altamente contagioso por ar, por contato e estava levando a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.
Nos primeiros dias não fiquei na minha unidade, fui cuidar dos pacientes pós cirúrgicos que haviam sido transferidos para outras unidades. Foram dias muito confusos porque é um hospital de grande porte, na região.
Os noticiários da TV e as mídias online começaram à anunciar que o hospital estava cuidando dos pacientes com COVID-19. Alguns pacientes pós-cirúrgicos entravam em desespero e queriam ir embora a todo custo. Trabalhamos em equipe e conseguimos educá-los, contornando a situação.
Tudo mudou rapidamente
Em 3 dias todas as cirurgias eletivas do hospital foram canceladas e os consultórios médicos foram fechados. Ninguém poderia visitar os pacientes que estavam internados.
Em uma semana já tínhamos 2 unidades dedicadas ao COVID-19. Em menos de três semanas a UTI estava lotada e as 4 unidades passaram a trabalhar exclusivamente com pacientes com COVID-19 ou em estado grave, esperando pelo resultado. Outros hospitais do estado estavam vivendo a mesma situação.
O número de pessoas morrendo foi aumentando dia após dia. O estado entrou com uma ordem que somente trabalhos essenciais fossem mantidos, restaurantes e bares só poderiam funcionar fazendo entregas.
Logo percebemos que os materiais para proteção dos profissionais de saúde estavam escassos. Os hospitais alegavam que tentavam comprar, mas não conseguiam e que o pouco material que possuíam deveria se preservado para quando os números de casos aumentassem. O governo dizia que estava tudo sobre controle e que estavam providenciando ajuda. Na linha de frente nós só víamos e contávamos com a ajuda de Deus!
Apesar de todo este cenário, ainda existem pessoas que duvidam da existência do vírus, outras protestam e querem voltar ao trabalho. Parece uma situação dessas que você lê no apocalipse ou em livros de ficção científica.
Eu e a Família durante o combate ao COVID-19
Ficar no hotel era triste, solitário e caro. Conversei com meu marido e voltei para casa. Passei a usar máscara o tempo todo. A roupa e sapatos de trabalho ficam no trabalho. Tenho todo um cuidado para desinfetar meus uniformes antes de trazê-los para casa.
Pesquisei sobre todas as formas existentes para aumentar minha imunidade e a de minha família. Passamos a tomar vitaminas diárias, cuidar um pouco mais da alimentação e fazer exercícios físicos.
As aulas das minhas filhas foram suspensas no mesmo dia em que minha unidade se tornou uma unidade dedicada ao COVID-19. Elas estão tendo aula online e esse ano não voltarão mais ao atendimento regular da escola. Todas as outras crianças do estado estão vivendo a mesma situação e o mesmo acontece com as universidades.
Meu marido é caminhoneiro e tá tendo que trabalhar também. Ele usa máscaras, luvas, um protetor do rosto e olhos, além do álcool em gel, para se proteger. Lavar as mãos e não tocar o rosto virou mais do que obrigação. Inclusive em alguns supermercados ninguém entra sem máscara.
Muitos supermercados limitaram a compra de papel higiênico e água para somente 2 a 3 por pessoa. Produtos de limpeza que matam o vírus desapareceram das prateleiras. Os supermercados substituem, mas as pessoas vão lá e compram tudo, logo em seguida. O álcool gel começou a aparecer em alguns lugares.
Acho que muita gente desenvolveu uma espécie de distúrbio de compra desnecessária, armazenando produtos de limpeza, porque não faz o menor sentido isso.
O jeito é manter a calma. Tento educar e ajudar, como posso, a minha família aqui e no Brasil.
E agora… como estamos
Nem sei mais quanto tempo faz que esse primeiro dia que citei no início, aconteceu. Mas sei que a cada dia que passa os números de mortos aumentam mais e mais. Os números de confirmados e pessoas esperando por resultados também.
As regras do CDC mudam da noite para o dia. A escassez de materiais de proteção dos profissionais de saúde, se tornou pior a cada dia, de uma forma jamais vista nesse país. A máscara de proteção que era pra ser usada e descartada a cada uso, por um período, passou a ser usada por até quatro dias.
Agora, graças a Deus podemos usar uma máscara por dia. A roupa de proteção e o protetor de rosto também estão sendo reutilizados. A mesma coisa está acontecendo com outros hospitais da cidade, do estado e pelo país inteiro.
Os sentimentos conflituosos
Com tudo isso, ir trabalhar leva-me a uma multidão de sentimentos. Fica o medo da contaminação e consequentemente, de contaminar a minha família, os pacientes esperando pelo resultado e os seus colegas de trabalho.
Fica a raiva de um sistema que ao invés de colocar regras de proteção aos profissionais de saúde no alto, nivela por baixo, sem respaldo científico e faz indicações para o uso de bandanas.
Enquanto isso na sociedade, os doentes que antes eram desconhecidos passam a ser o amigo de alguém, o filho, a mãe, o pai…, e dentro dos hospitais os doentes passam a ter várias comorbidades. As paradas cardiorrespiratórias parecem ter virado rotina, o desgaste físico e emocional dos profissionais de saúde, também.
Mas, acima de tudo, fica a certeza de que estou cumprindo com a missão de cuidar daqueles que precisam. De poder segurar nas mãos daqueles que não têm mais ninguém por perto, correr para assegurar que esse ou aquele paciente irá permanecer vivo, que a família está sendo informada sobre o que está acontecendo, que aqueles que não resistiram terão uma morte digna e os que sobreviverem serão aplaudidos ao saírem.
Manter a esperança e a fé viraram regras e faz parte do meu kit de sobrevivência. Espero que possamos sair fortalecidos disso tudo e de alguma forma melhores do que éramos!
Sincerely,
Keila
Conclusão
Também sou profissional de saúde, enfermeira e dentista, hoje aposentada. Trabalhei mais de 30 anos na área da saúde, pouco tempo em hospital, maior tempo em centros de saúde, depois no planejamento de Saúde e Segurança do Trabalho, também no meu consultório odontológico e dando aula em graduação e pós-graduação.
Nunca me deparei com uma epidemia deste porte do COVID-19, mas lembro da nossa luta para implantar o Programa Nacional de Imunização no interior do Paraná, onde iniciei minha carreira.
Trabalhávamos arduamente para que o índice de vacinação chegasse o mais próximo possível de 100% das crianças. Lutávamos para que doenças como a paralisia infantil, sarampo, tuberculose, difteria não ceifasse vidas dos pequeninos. Como éramos orgulhosos pelo Brasil ter erradicado doenças como a varíola e a própria poliomielite.
Os quase 13 meses que trabalhei em hospital e o tempo que coordenei Programas de Doenças Transmissíveis em unidades de saúde, fez me identificar com Keila no conflito cotidiano entre o amor à profissão, o medo de adoecer e de levar à família, doenças graves.
Profissionais de saúde estão se doando totalmente, muitas horas além do seu horário convencional, expostos ao Coronavirus que ainda não se conhece bem, para cuidar, dar segurança e conforto àqueles contaminados com o COVID-19, lutando com cada paciente, para que se mantenham vivos.
O que significa enfrentar diretamente o combate ao COVID-19
Você ja viu o tempo gasto e o esforço para se paramentar adequadamente para atender a pacientes com doenças transmissíveis, sobretudo agora, o COVID-19? Já se imaginou dentro daquelas roupas “espaciais”? O calor que faz ali dentro? O desconforto e as marcas que deixam no seu corpo? Veja as fotos de Keila aí em baixo, após retirar seus equipamentos protetores, do rosto!
Mas, pior ainda é ir para o hospital sabendo que será obrigado a trabalhar em condições inadequadas para a tarefa, sem os equipamentos de proteção individuais – EPI, corretos e em quantidade suficiente para a jornada de trabalho. Fico então me perguntando, como enfrentar tudo isso?
Keila fala de sua experiência em um país de primeiro mundo, e também lá é terrível a falta de suprimentos corretos para o exercício da profissão. Pense aqui no Brasil o que está acontecendo! Já vimos alguns relatos por mensagens nas redes sociais.
No dia 01 de maio, Dia do Trabalhador, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, profissionais de Enfermagem fizeram homenagem aos profissionais de saude e manifestação silenciosa, por melhores condições de trabalho. Veja vídeo aqui.
Em 27 de abril o COFEN já havia recebido 4.800 denúncias sobre falta ou restrição de EPIs.
Em 04/05/20 o Conselho Federal de Enfermagem – COFEN declarou que existiam 8.996 profissionais da enfermagem afastados, destes 2.017 com diagnóstico de COVID-19 confirmados, outros 202 internados, os demais aguardando confirmação de exames. No Brasil já são 56 profissionais falecidos com a doença (letalidade 2,78%).
O Brasil em 04/05/20 contabilizou 105 mil casos confirmados de COVID-19 e 7,288 mil mortes (letalidade 6,9%), que o coloca em sétimo lugar, no mundo, em número de óbitos.
Muitos já falam em flexibilizar o distanciamento social e a quarentena, no Brasil. Será que já estamos prontos para essa flexibilização? Fica aí o questionamento? Será que além de sobrecarregarmos os serviços de saúde, provocando mais mortes, também não estarmos aumento ainda mais a carga dos profissionais que estão à frente no combate ao COVID-19?
Minha sugestão ainda é: Se puder #fiqueemcasa
Datas Comemorativas
2020 – A Organização Mundial da Saúde – OMS definiu 2020 como ano Internacional dos profissionais de enfermagem e obstetrícia. designado pela Assembleia Mundial de Saude de 2009, visando reconhecer o trabalho feito pelos profissionais da Enfermagem, em todo o mundo. Visa ainda defender mais investimentos para esses profissionais e melhorar suas condições de trabalho, educação e desenvolvimento profissional
De acordo com a OMS, são necessários mais 9 milhões de enfermeiras (os) e parteiras para alcançar a meta de cobertura universal de saúde até 2030. Só nas Américas, segundo à Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, são necessários mais 800 mil profissionais de saúde, incluindo equipe de enfermagem e obstetrícia.
12 de maio – Dia Internacional da Enfermagem, comemorado no aniversário da britânica, Florence Nightingale, considerada a pioneira da Enfermagem. Ela também foi estatística, reformadora social e escritora. Ficou famosa e foi reconhecida por ser a pioneira no tratamento a feridos, durante a Guerra da Crimeia.
Agradecimento
Agradeço muito à você, Keila Silva, que destinou um pouco de seu escasso tempo livre, para compartilhar conosco suas emoções, conflitos e dilemas no combate ao Covid 19. Meu grande abraço.
Para Refletir
Pois nada é impossível para Deus. Lucas 1:37
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